DIPLOMACIA NO SÉCULO XX
AULA 06
Desenrolar da Diplomacia e as suas funções
D) Promoção (1)
Já tivemos ocasião de referir que a representação, a informação e a negociação, constituem elementos essenciais da atividade diplomática. Compete-nos agora analisar os outros elementos da atividade diplomática que caracterizamos como acessórios ou complementares.
Principiaremos por aquele elemento da atividade diplomática que se designa geralmente por promoção. Tal como no caso dos outros elementos já analisados, a promoção pode ser entendida num sentido muito amplo, o que levaria a fazer nele caber praticamente toda a atividade diplomática, ou num sentido mais restrito, que é aquele que adotamos, e que se pode definir como o conjunto das ações exercidas pelo agente diplomático no sentido de criar ou incrementar certo tipo de relações entre o Estado acreditante e o Estado receptor. A promoção pressupõe, por conseguinte a iniciativa e a impulsão.
Quer a representação quer a negociação, podem ser vistos como elementos puramente passivos e rotineiros da atividade diplomática. Pelo fato do agente diplomático ser acreditado junto de um certo Estado ele passa, automaticamente, a ser representativo e o exercício dessa representatividade pode pôr-se em marcha por iniciativa alheia. Por outro lado a iniciativa da negociação, formal ou informal, pode partir da outra parte. A promoção constitui o elemento impulsionador ou dinâmico da atividade diplomática através do qual se intensifica a representação e se origina e se incrementa a negociação e se dá maior vida aos outros elementos da atividade diplomática procurando desenvolver as relações entre Estados em todos os seus aspectos.
Quando se fala em promoção evidenciam-se, geralmente, dois aspectos: a promoção das relações econômicas e das relações culturais. Isso deve-se ao fato das relações econômicas e culturais serem dois setores onde o fator concorrencional e a necessidade de atuação especifica dentro de cada Estado pelos Estados interessados, mais se faz sentir. Por isso as missões diplomáticas mais importantes se acham dotadas de técnicos (estudiosos especialistas) para poderem exercer uma ação eficaz nesses domínios tão especializados. E é ainda pelas mesmas razões que a Convenção de Viena sobre relações diplomáticas ao enumerar, no seu artigo 3.º as funções das missões diplomáticas, singulariza, no que se refere à promoção, o desenvolvimento das "relações econômicas, culturais e científicas".
Vide MARTINS, Estevão Chaves de Rezende. Relações Internacionais - Cultura e Poder. Brasília: IBRI, 2002.
Neste passo, deve acrescentar-se que a promoção comercial de um Estado junto de outro ou outros Estados constitui uma atividade antiquíssima e que está ligada às origens da instituição consular. É provável que a Grécia antiga mantinha já no Egito e noutras regiões vizinhas representantes cujo caráter se assemelhava muito ao dos agentes consulares modernos. A existência destes agentes consulares na Idade Média já se pode perfeitamente documentar, nascida das necessidades do intenso comércio desenvolvido na bacia do Mediterrâneo. Eles representavam não só os interesses comerciais dos diferentes Estados como funcionavam também como árbitros nas disputas comerciais que naturalmente abundavam. A designação de cônsul mercatorum que lhes era dada aponta para a natureza de magistratura que a função a princípio tinha (1).
Finalmente, não esqueçamos a ação de promoção no capítulo da informação a que já aludimos anteriormente. Esta atividade era designada antes pela palavra propaganda, aliás com inteira propriedade, pois a palavra latina provém de propagare ou seja difundir, disseminar, espalhar. Em virtude, porém, do mau uso dado a esta atividade pelos regimes totalitários, particularmente no período que antecedeu a segunda guerra mundial, a palavra adquiriu um sentido pejorativo o que levou à utilização imprópria da palavra informação para designar uma atividade que melhor seria descrita pela palavra difusão que significa o mesmo que propaganda.
A palavra propaganda foi utilizada e consagrada primeiramente para designar a congregação da Igreja Católica, criada no século XVI, para dilatar a fé cristã, ou seja, missionar os povos que desconheciam o cristianismo: a congregação chamada da Propaganda Fide. O mau nome dado à atividade dita de propaganda no campo político foi, porém, tal que a própria Igreja se sentiu forçada a mudar a designação daquela centenária instituição que hoje se chama Congregação para a Evangelização dos Povos.
Esta atividade de propagar ou difundir a informação respeitante a um determinado país noutros países, nada tem a ver, naturalmente, com a atividade de informação dos agentes diplomáticos de que tratamos em aula anterior, pois se insere antes na função de promoção que acabamos de examinar.
E) Proteção
Se tomarmos a palavra proteção em um sentido muito genérico de defesa de todos os interesses do Estado e dos seus cidadãos num determinado país, a proteção exercida pelos diplomatas poderia abranger toda a sua atividade profissional, como jà observamos, do mesmo modo, a respeito da representação. A proteção como elemento constitutivo da atividade diplomática é por nós tomada, porém, num sentido restrito, consistindo, por um lado, na proteção de certos interesses específicos do Estado acreditante e, por outro lado, na proteção genérica dos interesses dos cidadãos do Estado acreditante junto do Estado receptor.
Quanto aos interesses específicos do Estado que o diplomata representa eles são, fundamentalmente, de duas categorias: a) o cumprimento de obrigações do Estado receptor para com o Estado acreditante; b) e a defesa dos interesses patrimoniais do Estado acreditante no Estado receptor.
O estado A compromete-se por acordo a praticar certos atos ou fazer certas prestações em favor do Estado B. No caso do Estado A não cumprir essas obrigações o representante diplomático do Estado B intervém junto do Governo do Estado A para que essas obrigações sejam cumpridas. Por outro lado, o Estado B poderá ter certos bens patrimoniais localizados no Estado A ou sob o seu controle. Compete ao representante diplomático do Estado B proteger esses bens patrimoniais. Nestes vários casos o diplomata exerce, pois, uma função de proteção dos direitos e interesses específicos do Estado onde se acha acreditado.
Mas a função protetora do diplomata abrange, além disso, a proteção dos direitos dos nacionais do Estado que representa. Essa representação é múltipla e variada e levanta, naturalmente, muitos problemas de caráter essencialmente jurídico. De uma forma muito geral pode dizer-se que o diplomata protege todos os interesses legítimos de caráter pessoal e patrimonial dos cidadãos do Estado que representa, que se encontrem radicados ou de passagem no país onde o diplomata exerce as suas funções.
No que se refere, em particular, aos interesses que dependem da atuação das autoridades locais, essa proteção torna-se necessária apenas quando essas autoridades não se mostram diligentes ou se negam a dar aos referidos nacionais o tratamento a que eles têm direito, de acordo com as leis nacionais e os acordos internacionais. A intervenção do representante diplomático ou consular torna-se, nesse caso, indispensável.
Noutras situações, em que a solução dos problemas não depende da intervenção das autoridades locais, os representantes diplomáticos e consulares são obrigados igualmente a intervir para proteger os nacionais do Estado que representam, como nos casos de necessidade de repatriação por falta de meios de subsistência ou nos casos de emergência resultantes de greves de transporte, roubos, doença súbita, catástrofes públicas, perturbações da ordem, guerra ou guerra civil. Em todos estes casos o agente diplomático e consular surge, nitidamente, no papel de protetor dos interesses dos nacionais do Estado que representa e a sua atuação é decisiva para a efetiva proteção desses interesses.
1.
O Impacto da Segunda Guerra Mundial
A entrada dos Estados Unidos da América na guerra, em dezembro de 1941,
aumentou imediatamente a sua pressão pelo alinhamento brasileiro. O governo
norte-americano precisava do apoio estratégico do Brasil e estavam criadas as
condições para serem negociados, nos primeiros meses de 1942, os Acordos de
Washington . Estes previam o empréstimo de 100 milhões de dólares para o
projeto siderúrgico brasileiro. Também incluiam um crédito de 200 milhões de
dólares para aquisição de material bélico, com base na lei norte-americana
de Empréstimos e Arrendamentos.
Os novos termos do relacionamento Brasil-Estados Unidos foram imediatamente
acompanhados pela decisão nacional de romper relações com os países do Eixo.
A opção por uma política de solidariedade hemisférica orientou o Brasil na
Terceira Reunião de Consulta de Chanceleres Americanos. Realizada em janeiro de
1942, no Rio de Janeiro, a conferência teve como objetivo principal aprovar uma
recomendação para que as repúblicas americanas rompessem relações com os países
do Eixo. Em represália, cinco navios brasileiros foram torpedeados por
submarinos alemães.
Para os Estados Unidos tornava-se crucial assegurar uma base militar na costa do
nordeste do Brasil que apoiasse as operações dos Aliados
no Norte da África.
E também o suprimento de materiais estratégicos. Os produtos brasileiros mais
valorizados eram alumínio, zinco, níquel, cobre, tungstênio, magnésio,
cristal quartzo, borracha, bauxita, mica e estanho.
As negociações com governo norte-americano foram seladas em maio de 1942,
quando se assinou um acordo militar secreto entre os dois países. A partir
deste entendimento criaram-se duas comissões militares conjuntas, uma
baseada em Washington, outra no Rio de Janeiro. Foram ampliados os compromissos
de fornecimento de armas ao Brasil, através da Lei de Empréstimo e
Arrendamentos dos Estados Unidos. As transferências de valores alcançaram
duzentos milhões de dolares, o que representava mais do dobro dos materiais
enviados para qualquer outro país latino-americano.
A autorização do Brasil para a instalação de uma base norte-americana em
território nacional, foi seguida, em agosto de 1942, pela declaração do
estado de guerra contra a Alemanha e a Itália. A importância do apoio
brasileiro a Washington foi sublinhada em janeiro de 1943, quando o presidente
F.D.Roosevelt visitou a base de Natal. Seu encontro com Vargas marcou o momento
da maior aproximação entre os dois países, durante a guerra.
A colaboração com Estados Unidos permitiu um notável crescimento da
capacidade militar brasileira. Além da ampliação do contingente do exército
de 80.000 para 200.000 homens, aumentou a frota mercante e foi criada a Força
Áerea Brasileira (FAB), que passou a operar com 500 aeronaves. Os contatos com
as autoridades militares norte-americanas intensificaram-se, visando o
treinamento.
Neste período foram igualmente tomadas iniciativas de cooperação econômica.
Vale mencionar uma missão norte-americana ao Brasil, conhecida como Missão
Cooke (1942), com o objetivo de analisar as condições da indústria brasileira
e os setores de interesse para os Estados Unidos.
O apoio popular à declaração de guerra levou o governo brasileiro a ampliar a
participação no conflito mundial. Em fins de 1942 o Brasil comunicou às Forças
Aliadas sua decisão de enviar tropas para a frente de combate na Europa.
A presença na guerra foi negociada com o governo norte-americano. Para o
Brasil, a organização de uma Força Expedicionária
Brasileira (FEB) atendia a um projeto de fortalecimento das Forças
Armadas e ampliava sua projeção internacional. O representante brasileiro na
Comissão de Defesa Conjunta Brasil-Estados Unidos, em Washington, general Leitão
de Carvalho, foi o negociador da entrada na guerra. Originalmente acertou-se o
envio de três divisões e uma pequena unidade aérea.
A relutância do governo dos Estados Unidos atrasou a preparação dos
contingentes brasileiros. Esta participação ganhou maior importância para
Vargas, que vinha enfrentando dificuldades para assegurar o apoio interno ao
Estado Novo. Em meados de 1944 se concretizou a expectativa, quando foi decidido
o envio de tropas à região do Mediterrâneo.
A partida dos pracinhas para a Europa aconteceu entre julho de 1944 e fevereiro
de 1945. A FEB reuniu aproximadamente 25.000 homens, enviados para a Itália
como uma divisão do Quinto Exército dos Estados Unidos, sob o comando do
General Mark Clark. Sua ação ocorreu nas batalhas de Castelnuovo, Montese e
Monte Castelo. A principal vitória das forças brasileiras foi em Monte
Castelo, quando obtiveram a rendição incondicional da divisão alemã nº 148.
A colaboração, durante a guerra, entre forças militares do Brasil e
dos Estados Unidos, estreitou ainda mais os vínculos entre os dois países.
Neste contexto o governo brasileiro concordou com o pedido de Washington, em
julho de 1945, para declarar guerra ao Japão. Também foi assinado um acordo
para a venda de areias monazíticas durante os três anos seguintes e desta
forma o Brasil continuou se beneficiando do suprimento de armamentos, previsto
pela Lei de Arrendamentos norte-americana.
Como atrás se disse, o Brasil foi o único país latino-americano a enviar
tropas para a guerra na Europa. No meio diplomático nacional acreditava-se
que tal participação asseguraria uma posição prestigiosa nas conferências
de paz do pós-guerra. Ganhava força a idéia de que o status de poder
associado favoreceria os interesses brasileiros em futuras negociações
internacionais.
Entretanto, tal suposição logo se esvaziou. A partir de 1945, a preocupação
das potências vencedoras, dos Estados Unidos em particular, concentrou-se na reconstrução
européia. Esta prioridade deixava pouco espaço para as aspirações
latino-americanas no processo de reordenamento mundial.
A primeira oportunidade para colocar à prova o prestígio brasileiro se deu em
fevereiro de 1945, durante a Conferência Interamericana de Chapultepec. Esta
reunião foi organizada para definir a posição da América Latina no mundo do
pós-guerra. Na ocasião os Estados Unidos deixaram claro que consideravam
reduzida a importância da região em suas principais decisões de política
internacional. O pedido dos latino-americanos por um assento permanente no
Conselho de Segurança das Nações Unidas foi recusado, fustrando as
expectativas da diplomacia brasileira. Simultaneamente, saía reforçada a
proeminência da nação norte-americana no hemisfério.
Os Estados Unidos frizaram a necessidade do Brasil ajustar sua política externa
à nova realidade internacional, solicitando que governo brasileiro
restabelecesse relações diplomáticas com a União Soviética. Esta era uma
condição determinada pelas potências vencedoras, para que um país fosse
admitido nas Nações Unidas.
A política internacional norte-americana, de defesa da democracia, comprometia
a continuidade do governo Getúlio. Enfraquecido internamente, o Estado Novo
tinha seus dias contados a partir do fim da guerra. Os norte-americanos
consideravam importante desenvencilhar-se dos regimes não-democráticos da América
Latina.
No Brasil, a organização de novos agrupamentos partidários e a mobilização
de intelectuais pedindo a normalização institucional, mudou rapidamente o
panorama político. O novo status da União Soviética favoreceu o crescimento
do Partido Comunista Brasileiro (PCB) que, pela primeira vez, funcionava
legalmente no país.
O grupo mais próximo a Vargas tentou prolongar sua permanência no poder, mas
encontrou reduzido apoio das lideranças civis e militares, para quem o retorno
à democracia deveria acompanhar as novas tendências mundiais de recusa aos
regimes totalitários.
O próprio chanceler Oswaldo Aranha se distanciou de Vargas, deixando a chefia
do Itamaraty em agosto de 1944. Atuando como vice-presidente da Sociedade Amigos
da América, reforçou sua identificação com os setores que pediam o fim do
Estado Novo.
Os oposicionistas do governo contavam com a anuência dos norte-americanos, que
desejavam o rápido retorno da democracia ao Brasil. A posição dos Estados
Unidos também manifestava a preocupação de que o discurso nacionalista de Getúlio
o aproximasse de outras lideranças latino-americanas, especialmente de Juan
Domingo Perón da Argentina.
Em outubro de 1945 o presidente foi deposto pelos chefes militares de seu próprio
governo. No mês seguinte realizavam-se eleições, com a vitória do candidato
do Partido Social Democrático, general Eurico Gaspar Dutra. Iniciava-se o período
democrático, que se prolongaria até 1964.
NOTAS:
(1)- Texto baseado nos escritos do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) - Gabinete de Informação e Imprensa - MNE - Missões Diplomáticas e Postos Consulares - A Missão Diplomática e as suas funções. Portugal: 2004.
(2)- Texto baseado nos escritos de Mônica Hirst. História da Diplomacia Brasileira. Brasil: Ministério das Relações Exteriores, 2004
(1) Douglas Busk, The Craft of Diplomacy, Frederick A. Praeger, Nova Iorque - Washington - Londres,1967, pp. 124 - 5.
Vide DUROSELLE, Jean-Baptiste. Histoire diplomatique de 1919 à nos jours. Paris: Jurisprudence Générale Dalloz. 1998.
GROOM,
A . J. R. From
tradition to modernity: The genealogy of international relations ins
approaches to conflict and cooperation in International Relations.
Londres: Kent Papers, 1993.
KISSINGER,
Henry. La
Diplomacia. México:
Fondo de Cultura Económica, 1999.
MARTINS, Estevão Chaves de Rezende. Relações Internacionais - Visões do Brasil e da América Latina. Brasília: IBRI, 2003.
SARAIVA, José Flávio Sombra. Relações Internacionais - dois séculos de história: entre a preponderância européia e a emergência americano-soviética (1815-1947). Brasília: IBRI, 2001.
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FREIRE
E ALMEIDA, D. DIPLOMACIA
NO SÉCULO XX
– Aula 6.
Brasil:
Maio,
2004.
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>
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