DIPLOMACIA NO SÉCULO XX
AULA 03
Desenrolar da Diplomacia e as suas funções
A)
Representação
Quando se fala de representação a propósito da diplomacia pensa-se logo,
certamente, na representação de caráter social ou mundana. Por outro lado, se
tomarmos a palavra no seu sentido genérico ela significa "agir em vez
de" ou "em substituição de" sem necessariamente envolver a
responsabilidade jurídica da pessoa ou órgão que se representa. A representação
a que pretendemos aludir, como elemento constitutivo da atividade diplomática,
é mais do que a simples representação de caráter social e é menos do que a
representação tomada no seu sentido genérico. Tomada neste último sentido,
todas as atividades do agente diplomático se poderiam resumir à representação,
ou seja, à atuação nas mais diversas circunstâncias em nome do Estado de
onde provêm. Não admira pois que ao discutir-se na Conferência de Viena sobre
relações diplomáticas a definição das funções das missões diplomáticas
alguém propusesse que a representação não figurasse como uma função
distinta, a par com as outras, pois todas se poderiam compreender na função
geral representativa do agente diplomático.
A representação como elemento constitutivo da atividade diplomática define-se
como o conjunto das atuações do agente diplomático que tem um caráter
puramente representativo, ou seja, de simples afirmação de presença ou
responsabilização do Estado em nome do qual atua.
Para além das atividades de representação social, como sejam recepções e
banquetes oficiais ou particulares, a representação diplomática compreende a
presença do agente diplomático em inúmeros atos oficiais em relação aos
quais o Estado receptor a requer ou espera a presença dos representantes diplomáticos
nele acreditados, como sejam a abertura das sessões legislativas do parlamento,
a posse dos chefes de Estado, os funerais nacionais, as paradas militares ou
outras cerimônias comemorativas dos dias nacionais, as inaugurações solenes
com a presença do Chefe de Estado ou do Governo, entre outras.
Por.outro lado, o agente diplomático em determinadas circunstâncias tem que
falar em nome do seu país e assumir até compromissos para com as autoridades
estrangeiras junto das quais se acha acreditado. Não se confunda esta faculdade
de responsabilizar o Estado que o agente diplomático representa com a função
de negociação pois esta, como veremos, consiste em uma discussão, em um debate,
e a responsabilização só se efetua no final de uma negociação concluída.
Conceitualmente, responsabilizar e negociar são duas funções distintas.
Anteriormente, houve tempo em que os jurisconsultos debatiam o problema de saber
se o chefe de missão diplomática representava o Chefe de Estado do país que o
enviava ou o respectivo governo, ou ainda o Estado que servia. A idéía de que
o chefe de missão diplomática representava a pessoa do Chefe de Estado era
certamente uma reminiscência dos tempos do poder pessoal dos monarcas, idéia
impossível de aceitar após a democratização do Estado moderno. Já na Convenção
de Havana sobre funcionários diplomáticos, de 2 de Fevereiro de 1928, se
afirmava no seu preâmbulo que "os funcionários diplomáticos não
representam, em caso algum, a pessoa do Chefe de Estado, e sim o seu
Governo".
Neste passo, a Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, de 1961,
afirma, com mais propriedade, que "as funções de uma missão Diplomática
consistem, entre outras, em: a) representar o Estado acreditante perante o
Estado receptor..." (art.o 3.º). Os especialistas do Direito Internacional
Público sustentam hoje, na sua generalidade, que o chefe de missão diplomática
representa o Estado que o acredita junto de outro Estado. A ciência política
só pode corroborar esta conclusão pois à face da teoria política pura não
se pode entender de outra forma a função representativa do agente diplomático.
Neste desenrolar, vem a propósito observar que os embaixadores britânicos
continuam a intitular-se "embaixadores de Sua Majestade britânica" e
autores há que afirmam que os embaixadores britânicos representam a pessoa do
seu soberano no estrangeiro. Esta forma tradicional de
designação constitui, porém, uma ficção, pois na realidade não se
fundamenta nos princípios quer do Direito Internacional Público quer no
Direito Constitucional Britânico.
Com efeito, o Reino Unido é parte da Convenção de Viena sobre relações
diplomáticas, segundo a qual, como vimos, o chefe de missão diplomática
representa o seu respectivo Estado. Um embaixador britânico quando assume um
compromisso internacional não responsabiliza a sua Soberana, nem tão pouco o
seu Governo, mas sim o Estado britânico. Por outro lado, o embaixador britânico
não recebe instruções da sua Soberana, mas sim do seu Governo.
No que se refere às missões permanentes junto de organizações internacionais, as suas atividades de representação são certamente menores do que aquelas que incumbem às missões bilaterais, mas nem por isso elas deixam de constituir uma parte importante da atuação da diplomacia multilateral. No que toca à representação no seu aspecto de responsabilização do Estado acreditante, pode dar-se o caso de, em certas organizações internacionais de grande dinamismo, a atividade representativa da missão multilateral ser extremamente intensa e superior à mesma atividade de certas missões bilaterais.
Neste desenrolar, vale destacar que esta função está ligada as origens da
atividade diplomática, que verificamos na aula anterior, e que são
características das encontradas nos diplomatas estrangeiros, bem como em nossos
diplomatas pátrios, no período do final do século XIX.
No passado brasileiro, além da representação, as grandes questões da
diplomacia brasileira foram o equilíbrio do poder no Prata e a definição das
fronteiras nacionais - temas que estão mais intimamente associados à imagem clássica
da profissão do diplomata. Desde a Independência, em 1822, até o final da
Guerra do Paraguai em 1870, a busca de um equilíbrio estratégico entre o
Brasil e seus vizinhos ao sul (as Províncias Unidas do Rio da Prata, que viriam
mais tarde a formar a Argentina, o Uruguai e o Paraguai) esteve no centro das
prioridades da política externa nacional. Os grandes estadistas do Império - a
exemplo, entre tantos outros, de Honório Hermeto Carneiro Leão (Marquês de
Paraná) ou de José Maria da Silva Paranhos (Visconde de Rio Branco) -
exerceram, invariavelmente, missões diplomáticas na região do Prata (2).
Já na virada do século, a definição das fronteiras nacionais foi o grande
tema da política externa brasileira. Essa foi a obra que imortalizou José
Maria da Silva Paranhos Junior, o Barão de Rio Branco, patrono da diplomacia
nacional. Entre 1893 (data em que assumiu a responsabilidade pela defesa da
posição brasileira na arbitragem da questão de Palmas com a Argentina) e 1909
(ano em foi assinado o Tratado de Limites com o Uruguai), o Barão conduziu
pessoalmente negociações que levaram ao reconhecimento da soberania do Brasil
sobre uma área de mais de 900.000 km2.
Com efeito, a principal realização de Rio Branco, como destaca HIRST, foi
consolidar o espaço territorial do país. A demarcação definitiva de quase
14.500 quilômetros de fronteiras foi conseguida através de uma série de
entendimentos diplomáticos. Estes se nortearam pelo princípio da solução
pacifica das controvérsias, alcançada por meio de negociações bilaterais ou
por arbitragem. As posições brasileiras se fundamentaram em títulos históricos,
no princípio do uti possidetis (justificado por ocupação
efetiva - demográfica e econômica) e na proteção aos nacionais
brasileiros, em áreas nas quais ainda houvesse dúvidas sobre a legitimidade de
soberania.
Com base nestas premissas, o Barão adotou interpretações flexíveis dos
principais tratados coloniais entre Portugal e Espanha: o Tratado
de Madri (1750) e o Tratado de San Ildefonso (1977). Foram recusadas as propostas de negociações
multilaterais e manteve-se a máxima prudência na utilização do recurso à
arbitragem. Concluíram-se vantajosamente as negociações
da área de Palmas (Missões), do Acre, do Amapá e do Pirara, e dos contestados
da região amazônica. Assim, foi incorporada ao território brasileiro uma área
de aproximadamente 885.000 quilômetros quadrados, anteriormente sujeita a
diversas contestações. Para tanto, foram realizados entendimentos com todos os
países vizinhos do Brasil.
A.
1 A Liga das Nações e o Brasil
Em prosseguimento, resultados benéficos na representação brasileira
internacional, in casu na Conferência de Paz, se deveram aos esforços
de sua Delegação. Destacaram-se as atuações de Epitácio Pessoa, Domício
da Gama e Heitor Lyra. Desde a etapa preparatória da Conferência,
quando a representação brasileira foi assumida por João Pandiá Calógeras,
havia a esperança de que o país merecesse um reconhecimento especial. Esta
expectativa reforçava-se pelo fato do Brasil ser o único representante
latino-americano na Comissão de Organização da Liga das Nações.
Tanto a participação na Conferência de Versalhes, como os anos de experiência
na Liga das Nações, permitiram ao país abrir
o seu leque de interesses. Articularam-se posições referentes ao desarmamento,
à arbitragem, à segurança coletiva e à cooperação econômica.
Neste passo, o interesse em ampliar sua atuação multilateral, levou o Brasil
à Primeira Conferência Internacional do Trabalho, realizada em 1919, em
Washington. A organização desta conferência revelou uma nova abordagem da
comunidade internacional em relação à questão do trabalho, influenciada pela
pressão das redes sindicais e pelo impacto da Revolução
Russa. Na vida política brasileira, esta nova realidade se expressava na
expansão do movimento operário, na politização do debate sobre problemas
sociais e na fundação do Partido Comunista, em 1922.
Durante os primeiros anos da Liga das Nações, o envolvimento brasileiro foi
intenso. Nos anos 1920-26, o país foi membro eleito do Conselho, exercendo também
a presidência do Orgão. Este cargo foi desempenhado sucessivamente por Gastão
da Cunha, Domício da Gama e Afrânio de Mello Franco. Deve-se sublinhar a
contribuição de Raul Fernandes na organização
da Corte Permanente de Justiça Internacional e seu esforço para que o Brasil
se tornasse membro permanente do Conselho da Liga.
Já em 1924, o Brasil foi a primeira nação a criar uma embaixada permanente
junto à Liga. Como chefe da representação em Genebra, também Mello
Franco se empenhou para que o país obtivesse um assento permanente no Conselho.
O governo de Arthur Bernardes, inaugurado em
1922, tornou esta aspiração um tema prioritário de sua política externa.
A proposta brasileira inicial foi de que o Conselho criasse mais dois lugares
permanentes, que seriam provisoriamente ocupados pela Espanha e o Brasil, e
depois transferidos para os Estados Unidos e a Alemanha, quando estes países
ingressassem na Liga. A falta de apoio dos demais países latino-americanos e da
Grã Bretanha, inviabilizou a pretensão nacional. Seu encaminhamento se tornou
ainda mais difícil a partir dos Acordos de Locarno
(1925) que previam a plena reintegração da Alemanha no sistema político-institucional
europeu. O governo brasileiro abandonou
sua pretensão em 1926. À frustração de não haver conseguido transformar-se
em membro permanente do Conselho, se somou a sua inconformidade de que a nação
alemã fosse automaticamente admitida com esse status. Após a decisão
de manter o veto ao ingresso exclusivo da Alemanha no Conselho, o presidente
Arthur Bernardes optou pela retirada do Brasil da Organização. Esta atitude,
igualmente assumida pela Espanha, foi alvo de veementes criticas no âmbito
europeu e latino-americano, e também no meio político interno. Seu caráter
definitivo foi formalizado dois anos depois, pelo governo de Washington
Luis.
Entretanto, apesar de haver se retirado da Liga, o Brasil manteve uma política de colaboração com o sistema multilateral mundial. Continuou a participar de reuniões promovidas pela Organização, como ocorreu em 1927 na Conferencia Econômica Internacional, e em 1928, na Conferência de Estatísticas Econômicas. A presença brasileira também foi mantida no Bureau Internacional do Trabalho e na Corte Permanente de Justiça Internacional - da qual Epitácio Pessoa foi juiz até 1930.
Acordo para o Estabelecimento de um Mecanismo Permanente de Cooperação em Matéria Consular.
Paris, em 30 de janeiro de 1981. Senhor Ministro, Tenho a honra de comunicar a Vossa Excelência que o Governo da República Federativa do Brasil está disposto a concluir com o Governo da República Francesa um Acordo para o estabelecimento de um mecanismo permanente de cooperação entre as autoridades competentes, na esfera consular, destinado a estabelecer um estreito entendimento para o estudo das questões de interesse da comunidade brasileira na França e da comunidade francesa no Brasil e a facilitar sua solução no clima de perfeita harmonia e fraternal amizade que caracteriza as relações entre os dois países. 2. A permanência de cidadãos brasileiros em território francês e de cidadãos franceses em território brasileiro, participando ativamente no esforço conjunto de desenvolvimento das relações entre os dois povos, em particular nos seus territórios fronteiriços, vem crescendo nos últimos anos, em benefício dos nossos interesses comuns. O Governo brasileiro considera que essa participação contribui, de maneira inestimável, para o estreitamento das relações entre os nossos dois países, e está seguro de que o Governo francês compartilha dessa posição. 3. Dentro desse espírito, e com a finalidade de coordenar as ações acima descritas, proponho seja criado um Grupo de Cooperação Consular Brasil-França, integrado pelas autoridades que venham a ser indicadas pelos dois Governos. O referido Grupo, que deverá ser instalado dentro de sessenta dias, reunir-se-à uma vez por ano, ou quando convocado por uma das Partes, alternadamente, em cada país. 4. Caso o Governo francês concorde com o acima exposto, a presente nota e a de Vossa Excelência, desta data e de teor análogo, constituirão Acordo entre os nossos dois Governos, a entrar em vigor nesta data. A Sua Excelência o Senhor Jean François-Poncet, Ministro dos Assuntos Estrangeiros da República Francesa. Aproveito a oportunidade para renovar a Vossa Excelência os protestos da minha alta consideração. a) Ramiro Saraiva Guerreiro |
NOTAS
(1)- Texto baseado nos escritos do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) - Gabinete de Informação e Imprensa - MNE - Missões Diplomáticas e Postos Consulares - A Missão Diplomática e as suas funções. Portugal: 2004.
(2)- Texto baseado nos escritos de Mônica Hirst. História da Diplomacia Brasileira. Brasil: Ministério das Relações Exteriores, 2004.
(3)- Vide, neste desenrolar, SARAIVA, José Flávio Sombra. Relações Internacionais - dois séculos de história: entre a preponderância européia e a emergência americano-soviética (1815-1947). Brasília: IBRI, 2001.
Advertência
A
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em qualquer meio, obriga a citação, sem prejuízo dos direitos já reservados
ao autor, na seguinte forma:
FREIRE
E ALMEIDA, D. DIPLOMACIA
NO SÉCULO XX
– Aula 3.
Brasil:
Abril,
2004.
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>
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Vide Lei nº 9.610, de 19.02.1998