DIREITO INTERNACIONAL

AULA 14

Prof. D. Freire e Almeida  

II.2.1.1  Imunidade à Jurisdição Estatal 

            Atualmente, encontram-se em vigor, sucedendo ao Règlement de Viena de 1815, duas Convenções, também celebradas em Viena, que versam sobre relações diplomáticas (1961), e relações consulares (1963).  Tais Convenções, foram promulgadas no Brasil, pelos Decretos nº 56.435/65 (relações diplomáticas) e nº 61.078/67 (relações consulares).

            Entre outros temas, estas Convenções estipulam normas de administração e protocolo diplomáticos e consulares, estabelecendo que o Ministério responsável pelas Relações Exteriores (Local) deva saber as nomeações de agentes estrangeiros para exercer funções em seu território.  Desde a chegada, com os atos concernentes à estada dos agentes, bem como da retirada.

Tais informações, completas, são necessárias para que a chancelaria possa estabelecer a lista de agentes estrangeiros beneficiados pelo privilégio diplomático ou consular, apresentadas pelo Embaixador (Chefe da Missão diplomática).

Assim como as Convenções distinguiram a natureza das instituições, cabe-nos acompanhar, definindo que:

-                    O Diplomata representa o Estado de origem junto à soberania local, e para o trato bilateral dos assuntos de Estado.

-                     A seu turno, o Cônsul representa o Estado de origem com o intuito de atender, no território em que atue, aos interesses privados de seus compatriotas que ali se encontrem ou aos nacionais que pretendam visitar aquele país, ou estabelecer negociações comerciais.

  Em nosso país, o ingresso na carreira diplomática se dá mediante concurso realizado pelo Instituto Rio Branco - IRBR, órgão encarregado da seleção e treinamento de diplomatas.  Aprovado no concurso, realiza-se um estágio de dois anos, organizado nos moldes de um Curso de Mestrado, e entra-se para a carreira diplomática como Terceiro Secretário.  Os cargos seguintes na carreira são os de Segundo Secretário, Primeiro Secretário, Conselheiro, Ministro de Segunda Classe e Ministro de Primeira Classe (Embaixador)[5]. VEJA: http://www.lawinter.com/finals.htm

O treinamento durante a carreira é intenso e contínuo, de modo a preparar o diplomata a tratar de uma série de temas, desde paz e segurança até normas de comércio e relações econômicas e financeiras, direitos humanos, meio ambiente, tráfico de drogas e fluxos migratórios, passando, naturalmente, por tudo que diga respeito ao fortalecimento dos laços de amizade e cooperação do Brasil com seus parceiros externos.  Dominando estes temas, o diplomata deverá ser capaz de desempenhar suas funções: representar o Brasil perante a comunidade de nações; colher as informações necessárias à formulação da política externa; participar de reuniões internacionais e, nelas, negociar em nome do país; assistir às missões no exterior; proteger os compatriotas e promover a cultura e os valores do povo brasileiro.

  Em prosseguimento, primordial observar que para o Direito Internacional é indiferente o fato de que vários países, entre eles a República Federativa do Brasil, tenham procedido a unificação das carreiras supra mencionadas, e que desta forma, cada profissional da diplomacia, transite constantemente entre funções consulares e diplomáticas [6].

 

a)  Privilégios Diplomáticos 

            Neste ponto, de acordo com a Convenção de Viena de 1961, os membros do quadro diplomático de carreira (in casu, brasileiro, do embaixador ao terceiro-secretário), e os membros do quadro administrativo e técnico oriundos do Estado acreditante (tradutores, contabilistas), usufruem de ampla imunidade de jurisdição penal, civil e tributária.

            Os locais da missão diplomática, bens e locais residenciais utilizados pelos diplomatas, arquivos e documentos são fisicamente invioláveis, não podendo ser objeto de busca, requisição ou qualquer medida de execução.

            Neste passo, as Missões Diplomáticas permanentes compreendem Embaixadas em Estados estrangeiros e Delegações Permanentes junto a Organismos Internacionais, como a ONU e a OMC, por exemplo.  Sua criação e extinção ocorrem por decreto, sendo sua natureza e sede fixadas no ato de sua criação.  Essas missões têm por finalidade o exercício de atividades de representação, negociação, informação e proteção dos interesses brasileiros junto a governos de outros Estados ou a Organismos Internacionais. Segundo o MRE, o Brasil possui, no momento, 92 Embaixadas e 8 Representações junto a Organismos Internacionais.

Os Chefes de Missão Diplomática permanente e os Representantes e Delegados Permanentes junto a organismo internacional são nomeados pelo Presidente da República, devendo, os primeiros, ter sua indicação aprovada pelo Senado Federal.  A escolha dos ocupantes dos cargos mencionados é normalmente feita dentre os Ministros de Primeira Classe da Carreira de Diplomata. É possível, no entanto, a escolha de ocupantes do cargo de Ministro de Segunda Classe da referida carreira ou mesmo, em caráter excepcional, de brasileiros natos não pertencentes aos quadros do Ministério das Relações Exteriores, desde que maiores de 35 anos e dotados de reconhecido mérito. As demais nomeações de diplomatas para as missões permanentes são feitas pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores.

Funções Consulares:

- proteger no país estrangeiro, os interesses e direitos dos cidadãos brasileiros, desde que estejam de acordo com as leis brasileiras e locais;

- aconselhar os brasileiros com problemas legais e jurídicos;

- agir na qualidade de notário e oficial de registro civil, efetuando procurações, testamentos, registros de nascimentos, casamentos, óbitos e alistamento militar de brasileiros, bem como a legalização de documentos estrangeiros a serem utilizados no Brasil;

- expedir passaportes e vistos de entrada no Brasil para estrangeiros;

- auxiliar os brasileiros necessitados perante tribunais e demais autoridades estrangeiras;

- auxiliar a localizacão de cidadão brasileiro;

- proporcionar a assistência cabível ao cidadão que esteja em dificuldades (doença, acidente, roubo, processo judicial, prisão etc.);

-                     promover, quando for o caso, a repatriação de cidadão brasileiro desvalido;

-                     agir na qualidade de Juiz Eleitoral quando houver eleições no exterior e receber, em nome da Receita Federal, declaração de Imposto de Renda de brasileiros domiciliados no exterior. 

Observações: 

-                     Não há imunidade civil, no caso de feito sucessório em que o agente esteja envolvido a título estritamente privado, nem em relação a ação relativa a imóvel particular.

-                     Da mesma forma, o agente que sofre reconvenção, por propositura de ação cível.

-                     O diplomata deverá pagar impostos indiretos, que estejam incluídos no preço dos bens ou serviços, bem como impostos incidentes sobre imóvel particular.

-                     Os privilégios estendem-se aos familiares do agente que vivam sob sua dependência.

-                     Os subalternos custeados pelo Estado, só usufruem de imunidades no que tange aos seus atos de ofício, não estendendo tais benefícios aos funcionários particulares do diplomata e por este pago.

-                     A imunidade penal não livra o agente da jurisdição de seu Estado de origem, esperando-se com o seu retorno, que o diplomata responda, então, pelo delito praticado.

-                     Tal imunidade, não impede que a polícia investigue o crime e prepare informações para o Estado que julgará. 

 

b)  Privilégios Consulares 

            Os Cônsules e funcionários consulares, nos termos da Convenção de Viena de 1963, usufruem de inviolabilidade física e de imunidade ao processo penal ou cível, apenas no tocante aos atos de ofício.  Vale destacar, que estes privilégios, assim limitados, não se estendem aos membros familiares e nem a instalações residenciais (salvo a residência do Cônsul quanto a isenção de impostos).

            Os locais consulares são invioláveis na medida estrita de sua utilização funcional, e gozam de imunidade tributária.  São invioláveis, em qualquer circunstância e onde quer que se encontrem, os arquivos e documentos consulares.

A rede consular brasileira[7] tem a seguinte composição:

a)                 Repartições consulares de carreira (Consulados-Gerais, Consulados e Vice-Consulados);

b)                  Repartições consulares honorárias (Consulados Honorários);

c)                  Setores consulares das Missões diplomáticas.

A seu turno, para (REZEK, 2000), quedou reduzida a zero, com o regime convencional de 1963, a distinção entre Cônsules de carreira (originários do país acreditante) e Cônsules honorários (recrutados do próprio país onde vão exercer o ofício) [8]. 

            A imunidade penal dos Cônsules, por ser limitada aos atos de ofício, autoriza, nos casos de crimes comuns, que sejam processados e punidos no local.  Não são puníveis, pois, pelo Estado local, os crimes relacionados com a função consular, tais como fraudes em passaportes, guias de exportação, entre outros.

Observações { a) e b) }

 

-                     Somente o Estado acreditante, e ninguém mais, pode renunciar às imunidades de índole penal e civil de que usufruem os seus representantes diplomáticos e consulares.  Em caso algum, o próprio beneficiário da imunidade dispõe do direito de renúncia.

-                     Embora imunes a eventual processo, os detentores de privilégios, devem obedecer as leis e regulamentos do Estado territorial [9].

-                     Para (REZEK, 2000), a idéia da imunidade do Estado estrangeiro em relação ao Direito local, que garante a prestação jurisdicional através da Constituição Federal (Brasil) a quem quer que sofra lesão de direito, não pode ser autorizada pela promessa do constituinte à custa de soberanias estrangeiras.  Esta promessa faz-se na presunção de que a parte demandada seja um jurisdicionado, sujeito à ação do Judiciário local.  Para o autor, regras sobre a sensível, eminente e igualitária relação entre soberanias, só se produzem no plano internacional, e mediante o consentimento das partes.  Tais regras não podem ser ditadas unilateralmente por uma Constituição nacional [10].  


[1]   Não têm personalidade jurídica de direito internacional os indivíduos e as empresas, privadas ou públicas. Cfr.  REZEK, José Francisco, “Direito Internacional Público-Curso Elementar”, Saraiva Ed., 8a. ed., 2000, p. 146.

[2] Colocamos “geralmente”, pois em casos excepcionais pode faltar-lhe o elemento governo ou até mesmo o território, como esclarece REZEK, José Francisco, “Direito Internacional Público-Curso Elementar”, Saraiva Ed., 8a. ed., 2000, p. 153.

[3] Vide Ministério das Relações Exteriores: www.mre.gov.br

[4] Neste sentido, Vide exemplos de REZEK, José Francisco, “Direito Internacional Público-Curso Elementar”, Saraiva Ed., 8a. ed., 2000, p. 158. 

[5] Para se inscrever no concurso de admissão, o candidato deve ser brasileiro nato; ter mais de 21 anos na data do teste de pré-seleção e menos de 35 na data da última prova; estar em dia com o serviço militar e com as obrigações de eleitor; ter bons antecedentes; e ter concluído, antes da inscrição, curso superior reconhecido de graduação plena.  Vide: http://www.lawinter.com.br/diplomacia.htm

[6]  Cfr.  REZEK, José Francisco, “Direito Internacional Público-Curso Elementar”, Saraiva Ed., 8a. ed., 2000, p. 160/161.

[7] Segundo o Ministério das Relações Exteriores, atualmente, o Brasil mantém mais de 140 Repartições consulares de carreira e Setores consulares de Missões diplomáticas, além de mais de uma centena de Consulados honorários. Essa rede está voltada para a prestação de serviços a um público sempre crescente de brasileiros no exterior, residentes ou de passagem, e de estrangeiros com interesses no Brasil.

As Repartições consulares de carreira e os Setores consulares das Missões diplomáticas desempenham ampla gama de funções consulares, com prioridade absoluta para a proteção e assistência aos brasileiros no exterior (pessoas físicas ou jurídicas). Algumas das funções consulares são: expedir passaportes e outros documentos de viagem a brasileiros, bem como vistos e documentos apropriados a estrangeiros que desejem viajar para o Brasil; efetuar matrículas consulares; agir como notário, oficial de registro civil e do serviço militar; prestar assistência a presos brasileiros no exterior; providenciar a repatriação de brasileiros desvalidos; prestar assistência a embarcações de nacionalidade brasileira e a aeronaves de matrícula brasileira, assim como a suas tripulações; praticar atos que a legislação eleitoral determinar e receber declarações de rendimentos de brasileiros residentes no exterior, que estejam a serviço do Governo brasileiro.

Já as Repartições consulares de carreira desempenham, ainda, nas cidades onde não existe uma Missão diplomática, funções destinadas a promover as relações comerciais, econômicas, culturais e científicas do Brasil com o país onde estejam sediadas.

Finalmente, as Repartições consulares honorárias, por sua vez, têm um escopo de atribuições mais reduzido. Subordinam-se a uma Repartição consular de carreira ou a uma Missão diplomática, servindo-lhes como elemento de apoio.

[8] Cfr.  REZEK, José Francisco, “Direito Internacional Público-Curso Elementar”, Saraiva Ed., 8a. ed., 2000, p. 162.

[9] Cfr.  Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, artigo 41, e Convenção de Viena sobre relações consulares, artigo 55.

[10] Cfr.  REZEK, José Francisco, “Direito Internacional Público-Curso Elementar”, Saraiva Ed., 8a. ed., 2000, p. 165/170.

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FREIRE E ALMEIDA, D.  AS IMUNIDADES DIPLOMÁTICAS E CONSULARES.  USA: Lawinter.com, Março, 2005.  Disponível em: < www.lawinter.com/142005dfalawinter.htm  >.

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Vide Lei nº 9.610, de 19.02.1998Earth icon